A Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, estabelece que a recolha de dados pessoais faz parte do conjunto de operações do “tratamento”.
As atuais definições de “tratamento” e “dados relativos à saúde”, podem ser revistas no art.º 4.º do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril(RGPD):
«Tratamento», uma operação ou um conjunto de operações efetuadas sobre dados pessoais ou sobre conjuntos de dados pessoais, por meios automatizados ou não automatizados, tais como a recolha, o registo, a organização, a estruturação, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a divulgação por transmissão, difusão ou qualquer outra forma de disponibilização, a comparação ou interconexão, a limitação, o apagamento ou a destruição;
«Dados relativos à saúde», dados pessoais relacionados com a saúde física ou mental de uma pessoa singular, incluindo a prestação de serviços de saúde, que revelem informações sobre o seu estado de saúde.
Por outro lado, o tratamento de categorias especiais de dados pessoais é, por norma, proibido (Art.º 9/1 – RGPD)
“É proibido o tratamento de dados pessoais que revelem a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, ou a filiação sindical, bem como o tratamento de dados genéticos, dados biométricos para identificar uma pessoa de forma inequívoca, dados relativos à saúde ou dados relativos à vida sexual ou orientação sexual de uma pessoa.”
A este propósito, a CNPD emitiu orientações sobre a recolha de dados de saúde dos trabalhadores, segundo a qual, apesar de estarmos em face de uma situação de pandemia: “não justifica a realização de atos que, nos termos da lei nacional, só as autoridades de saúde ou o próprio trabalhador, num processo de auto-monitorização, podem praticar. Na realidade, o legislador nacional não transferiu para as entidades empregadoras uma função que é exclusiva das autoridades de saúde, nem estas delegaram tal função nos empregadores. Assim, não pode uma entidade empregadora proceder à recolha e registo da temperatura corporal dos trabalhadores ou de outra informação relativa à saúde ou a eventuais comportamentos de risco dos seus trabalhadores.”
Posteriormente, o Governo de Portugal, através do Decreto Lei 20/2020, de 1 de maio, veio determinar através do art.º 13.º-C (Controlo de temperatura corporal):
1 – No atual contexto da doença COVID -19, e exclusivamente por motivos de proteção da saúde do próprio e de terceiros, podem ser realizadas medições de temperatura corporal a trabalhadores para efeitos de acesso e permanência no local de trabalho.
2 – O disposto no número anterior não prejudica o direito à proteção individual de dados, sendo expressamente proibido o registo da temperatura corporal associado à identidade da pessoa, salvo com expressa autorização da mesma.
3 – Caso haja medições de temperatura superiores à normal temperatura corporal, pode ser impedido o acesso dessa pessoa ao local de trabalho.
Neste contexto, conclui-se:
O Estado não pode admitir que se faça o “registo” com o consentimento do titular dos dados, uma vez que este, por si só, pode assumir-se como uma decisão limitativa dos direitos dos trabalhadores;
O Decreto Lei 20/2020, ao introduzir uma norma habilitante da recolha da temperatura corporal dos trabalhadores, pode permitir uma eventual violação da al. c), n.º 1, do art.º 59.º da CRP, que estabelece que todos os trabalhadores têm direito “à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde” e, como é fácil de observar, se por um lado, o simples registo da temperatura não garante a inaptidão do trabalhador para o exercício das suas funções profissionais, por outro lado, mesmo que o garantisse, a entidade empregadora ficaria impedida de proporcionar ao trabalhador as condições de trabalho mais conformes com a prevenção da doença;
Assim, sem intervenção da autoridade competente para proceder à avaliação de dados de saúde dos trabalhadores, é invasiva a intervenção do empregador na recolha de dados sensíveis com vista ao impedimento “permanente” do acesso dos trabalhadores ao local de trabalho.
6 de maio de 2020